Minha primeira impressão era a de que Tom não passava muito tempo dentro de seu quarto. O único mobiliário do ambiente eram quatro peças em madeira branca: uma cama de casal, entre duas mesas-de-cabeceira, e uma cômoda de cinco gavetas.
A entrada do quarto ficava na parede sul. O chão era de madeira laminada. De cor pérola? Ou seria marfim? Um tapete preto no meio do quarto fazia um bom trabalho em mascarar o vazio.
Tinha uma janela na parede norte, a vista era do edifício vizinho de trinta andares. Às duas da tarde o quarto já estava envolvido em penumbra. Sob a janela um ar-condicionado e sobre o peitoril uma planta em vaso terracota e o que aparentava ser uma caixa de charutos.
Ao lado da janela, a cômoda. Sobre a cômoda, livros e uma outra planta; esta em vaso de cerâmica preto. Nas gavetas, em ordem descendente: roupas de baixo e pijamas; roupas sociais; roupas casuais e de exercício; roupas que Tom não usa há anos; e na última gaveta, a mais difícil de se abrir, roupas de inverno com cheiro de mofo.
A cabeça da cama estava encostada à parede oeste. Cinco travesseiros: dois grandes, um médio e longo e dois pequeninos. Não havia colcha sobre a cama. Tom considerava a cama feita quando cobria o lençol com o edredom. As pernas da cama faziam o tapete preto sofrer sob seu peso.
Finalmente, as mesas-de-cabeceira. As gêmeas guardavam todo o tipo de quinquilharia dentro de si e Tom nunca conseguia se lembrar o que estava em qual: pilhas, carregadores de celular, remédios. Cada uma tinha sua própria luminária preta e de metal. Mas as semelhanças terminavam quando foi o dia de se escolher em qual lado fica o vaso branco e em qual fica o despertador. Tom optou por deixar o primeiro sobre a escrivaninha próxima à porta e o outro sobre a escrivaninha junto à janela.
sábado, 29 de novembro de 2014
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
A Rede - II
Pedro Dias fundou a iDias, Empresa de Publicidade e Marketing, há 32 anos. Dizem que daquele dia em diante passou metade dos seus dias mal humorado, ou aproximadamente 16 anos sem ver o lado bom da vida. Quando Elisabete se aproximou de sua sala não demorou para notar que o diretor vivenciava uma das más horas.
- Você precisa acreditar nesta campanha, Castor. Você também não acreditou na última, e o que aconteceu? Quinze por cento de um aumento de vendas. - Dias notou a presença de Elisabete na entrada da porta e acenou para que entrasse. - Eu sei que a condição do mercado é outra, Castor, e é por isso que esta campanha é marcada pela ousadia.
O homem do outro lado da linha não parecia muito convencido da audaciosa estratégia. A volumosa barba grisalha de Pedro Dias começava a se encrespar e Lisa já previa a explosão emocional do chefe.
- Eu estou lhe fazendo um favor, Castor. Caridade. Se eu não fosse padrinho daquele gorducho nem iria considerar a possibilidade de trabalhar para você. Tenha colhões ou pare de desperdiçar meu tempo.
Desligou. E sem um momento de hesitação, passou a compartilhar as novidades com Elisabete.
- Está atrasada.
- Sinto muito. - Não estava atrasada e sabia que a repreensão era de fato um pedido de desculpas.
- Temos um novo projeto, Elisa. O maior do ano até o momento. Quero dar à você o comando.
- Muito... muito obrigada. Com quem iremos trabalhar?
- Com a Comissão do jogo o Outro Mundo. Você entende daquela porcaria, não entende?
- Sim, fez parte do meu currículo escolar. - Por um instante Lisa teve um mau pressentimento.
- Eles querem lançar uma campanha de marketing agressiva e global. Estive no telefone com diretores de diversas agências. Eles também irão contratar a i9, a Criar e dezenas de outras. Ouvi dizer que a ONU, o Banco Mundial e diversos países irão providenciar fundos. É algo grande, sim, mas nós somos apenas uma pequena peça do maquinário.
Elisabete acenou com a cabeça. O mau pressentimento intensificado.
- O que foi?
- Nada, senhor.
- Ainda não acordou, Elisa? Não é um sonho, é o maior projeto de sua carreira.
- Sim, senhor.
- Material de pesquisa será direcionado ao seu e-mail e em breve você será contatada por um representante da Comissão. Conto com você, agora vá trabalhar.
- Imediatamente, senhor.
Ao se levantar e empurrar a cadeira para debaixo da mesa, Elisa poderia jurar ter sentido a textura das escamas de um gigante.
- Você precisa acreditar nesta campanha, Castor. Você também não acreditou na última, e o que aconteceu? Quinze por cento de um aumento de vendas. - Dias notou a presença de Elisabete na entrada da porta e acenou para que entrasse. - Eu sei que a condição do mercado é outra, Castor, e é por isso que esta campanha é marcada pela ousadia.
O homem do outro lado da linha não parecia muito convencido da audaciosa estratégia. A volumosa barba grisalha de Pedro Dias começava a se encrespar e Lisa já previa a explosão emocional do chefe.
- Eu estou lhe fazendo um favor, Castor. Caridade. Se eu não fosse padrinho daquele gorducho nem iria considerar a possibilidade de trabalhar para você. Tenha colhões ou pare de desperdiçar meu tempo.
Desligou. E sem um momento de hesitação, passou a compartilhar as novidades com Elisabete.
- Está atrasada.
- Sinto muito. - Não estava atrasada e sabia que a repreensão era de fato um pedido de desculpas.
- Temos um novo projeto, Elisa. O maior do ano até o momento. Quero dar à você o comando.
- Muito... muito obrigada. Com quem iremos trabalhar?
- Com a Comissão do jogo o Outro Mundo. Você entende daquela porcaria, não entende?
- Sim, fez parte do meu currículo escolar. - Por um instante Lisa teve um mau pressentimento.
- Eles querem lançar uma campanha de marketing agressiva e global. Estive no telefone com diretores de diversas agências. Eles também irão contratar a i9, a Criar e dezenas de outras. Ouvi dizer que a ONU, o Banco Mundial e diversos países irão providenciar fundos. É algo grande, sim, mas nós somos apenas uma pequena peça do maquinário.
Elisabete acenou com a cabeça. O mau pressentimento intensificado.
- O que foi?
- Nada, senhor.
- Ainda não acordou, Elisa? Não é um sonho, é o maior projeto de sua carreira.
- Sim, senhor.
- Material de pesquisa será direcionado ao seu e-mail e em breve você será contatada por um representante da Comissão. Conto com você, agora vá trabalhar.
- Imediatamente, senhor.
Ao se levantar e empurrar a cadeira para debaixo da mesa, Elisa poderia jurar ter sentido a textura das escamas de um gigante.
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
A Rede - I
Elisabete caminhava em direção ao ponto de ônibus quando quase trombou com o afobado menino de bochechas rosadas. Correndo, lhe faltava fôlego para dar a excitante notícia ao colega de escola.
- Você ficou sabendo? Uma nova catacomba foi descoberta! A Catacomba do Infeliz. Estava tão cheia de monstros que o implante do infeliz que a encontrou acabou fritando.
- Sim. Minha guilda já aguarda a Comissão liberar os ataques. Eu mal posso esperar. Imagine as riquezas que não devem guardar?
Falavam do Outro Mundo, o jogo de realidade aumentada mais popular da história. Lançado há cerca de duas décadas. Um MMORPG de exploração com gráficos ultra realistas, mundo embrionário e persistente. Atingiu o auge de sua popularidade há cerca de quinze anos, quando recebeu suporte para implantes neurais simultaneamente à descoberta do Reino dos Gigantes.
É seguro arriscar que Elisabete sabia do que os meninos falavam. Aos vinte e oito anos, uma moradora da Metrópole e portadora de um implante neural? Certamente passou centenas de horas da sua juventude no Outro Mundo. E de fato. Quando os homens levaram a guerra ao Outro Mundo, Elisabete e toda criança da Metrópole festejou a inclusão do jogo em seu currículo escolar - inclusão que durou cinco anos, até o dia em que caiu Rei dos Gigantes e se iniciou a decadência do Outro Mundo.
As crianças de outrora enfrentam desafios distintos no presente. E Elisabete adorava o desafio que era seu trabalho de publicitária.
Ao chegar no escritório, foi surpreendia pela excitada secretária Maria. Maria viveu toda a juventude em uma pequena cidade de interior. Trabalhava em um ritmo diferente dos outros funcionários; energética mas ligeiramente ingênua.
- Lisa, o diretor está atrás de você desde que chegou.
- O que houve, Maria?
- Um novo contrato, um contrato e-nor-me!
Elisabete sabia que o assunto era sério quando Maria utilizava separação silábica. Seguiu imediatamente em direção à sala do chefe.
- Você ficou sabendo? Uma nova catacomba foi descoberta! A Catacomba do Infeliz. Estava tão cheia de monstros que o implante do infeliz que a encontrou acabou fritando.
- Sim. Minha guilda já aguarda a Comissão liberar os ataques. Eu mal posso esperar. Imagine as riquezas que não devem guardar?
Falavam do Outro Mundo, o jogo de realidade aumentada mais popular da história. Lançado há cerca de duas décadas. Um MMORPG de exploração com gráficos ultra realistas, mundo embrionário e persistente. Atingiu o auge de sua popularidade há cerca de quinze anos, quando recebeu suporte para implantes neurais simultaneamente à descoberta do Reino dos Gigantes.
É seguro arriscar que Elisabete sabia do que os meninos falavam. Aos vinte e oito anos, uma moradora da Metrópole e portadora de um implante neural? Certamente passou centenas de horas da sua juventude no Outro Mundo. E de fato. Quando os homens levaram a guerra ao Outro Mundo, Elisabete e toda criança da Metrópole festejou a inclusão do jogo em seu currículo escolar - inclusão que durou cinco anos, até o dia em que caiu Rei dos Gigantes e se iniciou a decadência do Outro Mundo.
As crianças de outrora enfrentam desafios distintos no presente. E Elisabete adorava o desafio que era seu trabalho de publicitária.
Ao chegar no escritório, foi surpreendia pela excitada secretária Maria. Maria viveu toda a juventude em uma pequena cidade de interior. Trabalhava em um ritmo diferente dos outros funcionários; energética mas ligeiramente ingênua.
- Lisa, o diretor está atrás de você desde que chegou.
- O que houve, Maria?
- Um novo contrato, um contrato e-nor-me!
Elisabete sabia que o assunto era sério quando Maria utilizava separação silábica. Seguiu imediatamente em direção à sala do chefe.
terça-feira, 25 de novembro de 2014
Minha cor favorita é o amarelo
Minha resposta à pergunta de número quinze marcou um momento pivotante em minha vida. "15, qual sua cor favorita?". É o amarelo, hoje. Não foi uma resposta espontânea. Refleti em excesso sobre minha preferida.
Devo admitir que por anos não fui inteiramente honesto ao responder aquela pergunta. Atribuo metade da responsabilidade ao costume e metade à falta de seriedade com que encarava a questão. Quando criança amei o azul e imaginei que a resposta era permanente. Por vezes flertei com o branco, o preto, o vermelho - mas o hábito não me permitiu reconhecer essas paixões passageiras.
Neste dia reconheço o amarelo como meu predileto embora um dia a resposta poderá mudar. Quem sabe algum dia eu me apaixono por algo mais exótico; como o salmão?
Devo admitir que por anos não fui inteiramente honesto ao responder aquela pergunta. Atribuo metade da responsabilidade ao costume e metade à falta de seriedade com que encarava a questão. Quando criança amei o azul e imaginei que a resposta era permanente. Por vezes flertei com o branco, o preto, o vermelho - mas o hábito não me permitiu reconhecer essas paixões passageiras.
Neste dia reconheço o amarelo como meu predileto embora um dia a resposta poderá mudar. Quem sabe algum dia eu me apaixono por algo mais exótico; como o salmão?
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